quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Linha de Passe, de Walter Salles



Eu fiquei fascinado com o retrato tão fiel que o filme Linha de Passe fez sobre a periferia.
Morei durante muitos anos nas proximidades da Cidade Líder, onde o filme rodado. E sempre me  angustia  a maneira estereotipada que a periferia é retratada no cinema.
Claro que morar na periferia é uma realidade dura, um peso a mais nos ombros. É como um sapato velho com buracos que incomoda e não protege os pés como deveria.

Eu creio que as pessoas podem sim se movimentar a partir da realidade externa, do nicho onde vivem. Mas acredito que o primeiro movimento sempre é a partir de uma realidade interna.
Antes de ser um antro de violência, pobreza e drogas, como ditam os filmes, existe algo silencioso que paira sobre a periferia, algo parecido com a massa de poluição que cobre São Paulo. Uma sensação que quase nunca é dita ou abordada: a frustração.
Não há lugar onde as pessoas sonhem mais do que aqui.
E quando falo sonhos, parto do principio de que sonhos são idéias não realizadas. Ideais impossibilitados. Interrompidos.
Aqui há um desejo desesperado por milagres.
É só ir às casas lotéricas do bairro para ver, todos os dias, filas que dobram esquinas cheias de sonhadores e seus bilhetinhos de mega-sena nas mãos. O pastor da igreja não prega sobre capacitação, mas sim sobre um céu coberto de ouros, farturas e anjos servindo seus fiéis.
A violência e as drogas são verdades, mas não regras da periferia. Eu mesmo morei durante 14 anos na zona leste de São Paulo, mas não foi lá, nem foram os seus habitantes, que me apresentaram e ofereceram drogas pela primeira vez.
Então antes de sermos bandidos em potencial, somos pessoas iguais a qualquer outra. Sonhando com o básico. A periferia ensina melhor do que qualquer escola que as necessidades vêm bem antes que os desejos. E talvez, por pensar tanto no pão que precisa estar sobre a mesa amanhã cedo, não haja tempo de realizar os sonhos.
Linha de Passe, como nenhum outro filme brasileiro antes, consegue abordar de uma maneira honesta sobre esta realidade. Há verdade no filme.
Outra coisa que me impressionou foi o desdobramento do trabalho do Walter Salles. Nós temos 17 anos desde a retomada do cinema brasileiro, e sempre vejo dois tipos de cineastas: Os extremamente técnicos e os extremamente sensíveis. Eu acredito que a experiência pode levar um cineasta ao “meio-termo” destes extremos. Mas a realidade cultural do nosso país faz com que os nossos cineastas demorem muito para realizar um filme e outro. Walter Salles é uma exceção. Como diretor, são mais de oito filmes em seu curriculum e muita experiência. E “Linha de Passe” é a prova de que ele alcançou este “meio-termo”, pois é um filme técnicamente perfeito e de uma sensibilidade incrível.
Parabéns a Walter Salles e Daniela Tomas e ao sempre belíssimo trabalho de preparação de atores realizado pela Fátima Toledo.

Artigos Relacionados

2 comentários:

Cassimila disse...

Nem quero ver esse filme...
Não me convenceu...
hehehehe
Ah! E adorei o lance da realidade interna. Lindo

;)

4 de setembro de 2008 às 23:05
Ana Maria Saad disse...

Que seu sonho acabe então! Que ele seja todo realidade, porque uma pessoa com um sapato tão esburacado correndo sobre os pedregulhos em meio a poluição, sem perder o ânimo, merece que a própria vida seja o sonho realizado. NUNCA DESISTA!!! Não há filme mais belo do que a realidade quando bem aproveitada!Eu parabenizo vc! Parabéns Geison por viver sua vida de modo tão honesto e íntegro! Parabéns por ser um ótimo ator, co-roteirista e co diretor de sua existência! Sou sua fã e admiradora! e quero vê-lo ainda chorar muito, de emoção ao ver seu sonho sendo concretizado. É que vc fica com uma cara grande quando chora, é engraçado...heheheh

7 de setembro de 2008 às 23:20